quarta-feira, 21 de julho de 2010

O CHURRASCO  por Mario Prata
Publicado no Estadão em 18/07/2001
Cada vez chego mais à conclusão que não existe nada mais melindroso do que um churrasco caseiro. E, ao mesmo tempo, relaxante.
Sim, porque no Brasil todo mundo entende de duas coisas: ou é metido a ser técnico de futebol ou a fazer churrasco. Tem os que sabem. E tem os outros. E é muito difícil você ver alguém fazendo um churrasco e não dar pelo menos um palpite. E o churrasqueiro de plantão sabe que, se sucumbir ao primeiro investimento alheio, terá de aturar o chato até o fim da tarde.
Os palpites já começam na hora de acender o fogo.
- Você não tem aquele negocinho para colocar embaixo, que fica pegando fogo?
- Com jornal! Pega os classificados!
- O Caderno2, não!!!
- Se não abanar, não vai pegar. Vai por mim.
- Colocou muito carvão. Vai sufocar o fogo. Não disse?
- Tá muito alto. Joga água!
- Não falei para não jogar água? Olha aí, apagou.
- Você é que não abanou. Dá licença?
Fogo pronto, todo mundo já na segunda caipirinha, as esposas lá do outro lado. Se tem uma coisa que mulher não entende é de churrasco. Participam, no máximo, com a salada e os gritos de: amor, traz mais um pano de prato?
Aí começam os palpites pra valer:
- Se eu fosse você, colocava a lingüiça na parte de baixo.
- O quê??? Vai fatiar a picanha? Peloamordedeus!, isso é uma infâmia!
- Olha, sem querer ser chato, mas eu acho melhor colocar a gordura para o lado de baixo. Depois virar. E não virar mais.
- O problema do lombo é que demora mais. Precisa ficar embaixo. Muita gordura, meu.
- Tá vendo?, pinga a gordura e o fogo sobe. Assim não vai dar. Joga a água.
- Limão? Na picanha?
- Aquela lingüiça ali já não está boa? Cadê o pão?
- Mas não fui eu quem ficou de comprar o pão. Clotilde! Não tem pão!!!
- Me dá licença? Posso virar a costela? O que é isso que você colocou aqui? Orégano??? Tá doido, cara?
- De peixe eu entendo. Só sal e limão. Não, cara, sal grosso, não. Sal fino. Põe por dentro. Assim, ó. Tem papel laminado, não?
Já está todo mundo ali a ponto de enfiar o espeto no colega de repartição quando começam a chegar as crianças.
- Já tem lingüiça, paiê?
- Já disse que eu chamo. É surdo?
É quando chega o colega retardatário e, antes de cumprimentar?
- Esse fogo tá muito alto. Com licença. Se tem uma coisa que eu entendo é de churrasco, Edgar. Deixa comigo. Quem é que está fazendo a caipirinha? Muito açúcar. Tá um melado isso aqui.
- Põe mais carvão, Souzinha.
- Queimei o dedo!
- Sei não, eu, por mim, virava essa picanha. Vai torrar, cara.
- Você precisa comprar uma faca melhor. Olha aí. Isso aqui está estragando a carne.
- Joaninha, cadê a faca boa? Aquela que o seu pai me deu?
- Cuidado que tá quente, filho. Não disse? Não me ouve...
- Mas não tem nem uma manteiguinha para passar na batata, Nestor?
- Clotilde!!! Eu já não disse que margarina não serve? Olhaí, derrete muito rápido, esfria a batata. Ah, meu Deus do céu!
E por aí vai, até escurecer e o fogo apagar de vez.
Existe uma teoria psicanalítica de que quem faz churrasco não precisa fazer terapia. Que os grandes e amadores churrasqueiros são todos pessoas muito bem resolvidas.
Deve ser verdade, pois colocam avental com uma feminilidade cativante. Ficam - dois ou três homenzarrões abraçados - olhando por horas e horas para o fogo ardente, brigando e discutindo como se fossem marido e mulher. Já notou? Já notou quando um queima o dedo, com que carinho é tratado pelos outros? Já vi barbudo chupar o dedo do outro ali, ao lado das brasas da amizade.
Se não houvesse o churrasco caseiro, os homens seriam muito mais tristes, muito mais violentos.
Fazer um churrasco num sábado, resolve todos os problemas da firma, do casamento e dos filhos. O homem vira um herói de si mesmo.

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