sábado, 11 de fevereiro de 2012

Gaúcha Praiana de Aureliano de Figueiredo Pinto



Da cidade do Rio Grande,
adolescente se viera
às solidões missioneiras,
onde ficou a morar,
com pobrezas e trabalhos,
nunca mais poder voltar.
E, sempre  olhando as coxilhas,
dizia aos netos e filhas:
- Quando olho para as coxilhas,
tenho saudades do mar...

E, já com quase noventa,
na solidão missioneira
contava do mar em festa:
- A praia de povo, assim!
Barões de fraque... Alamares...
e o mar, um campo sem fim,
brilhando num resplendor!
Bandeiras... hinos... fanfarras...
Porque vinha entrando a barra
a Escuna do Imperador!

Torpedeiras e corvetas,
couraçado e cruzador.
Popas... proas... e escotilhas
quando ela se punha a explicar.
Dando o vento nas flechilhas
as onduladas coxilhas
são como as ondas do mar...

Quando a grande lua cheia
no escurecer vinha vindo,
era um navio do mar alto,
bordejando, a aproximar.
‘Stava  o Prático pedindo
para na barra aportar.
- A pobre! Por tanto tempo
no exílio de terra dentro,
com a nostalgia do mar.

Quando as carretas toldadas,
cortando as largas campanhas,
vinham a descarregar,
ela dizia: - No cais
é assim que os navios encostam,
com cantigas nas descargas
das cousas que vem do mar.

Viu generais e almirantes!
Gentes de todas as terras,
no velho porto baixar.
E as gurizadas gostavam
desses contos que bisavam:
- Vozinha... conta do mar.

O mar, então, era o mundo,
novo e estranho, que atraia
e fascinava os gauchinhos,
fazendo a velha falar.
E eram animais medonhos
que os assustavam nos sonhos,
sonhando as lendas do mar.

Tinha cavalos-marinhos
que não se podem encilhar.
Touros com aspas de prata
que não se podem laçar.
E há uns vaga-lumes nas águas
que não se podem pegar.
Sereias de voz macia
para os marujos tentar.
Praias de areia alvadia
para as crianças brincar.

Suas pupilas aflitas
eram duas estrelitas
boiando na água do mar.

Quando, em manhã luminosa,
ela deixou de falar,
aos gestos pediu janela
para a campanha ainda olhar.

Depois inclinou a fronte
e parou de respirar,
em frente ao grande horizonte
com céu no campo a encostar.

E lá se foi - pobrezita!
Naufrágio de um sonho lindo.
Barquita se despedindo
com uma saudade a acenar.

Ou como uma ave que emigra,
retardatária seguindo,
para sempre sumindo
sobre as lonjuras do mar...

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