sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Elegia do tropeiro" Eron Vaz Mattos


A manhã respira fundo 
o aroma dos banhados; 
boceja a brisa que passa 
nos arvoredos calados 
e uma lembrança olfateia 
rastros de um tempo passado! 

No corredor infinito 
não há mais rastros de boi; 
calou-se o grito tropeiro 
e a voz-guia do cincerro, 
desceu a volta do cerro, 
tangeu silêncio e se foi. 

E mudou tudo no pago... 
sumiu a gente daqui 
numa urgência de espera, 
deixando as dores das almas 
gemendo nas noites calmas 
nessa mudez das taperas. 

Horizontes, léguas tortas, 
sombras deitadas no chão, 
cruzando, ao tranco, se vai; 
as rédeas, rumos na mão! 

Guardou serenos nos olhos 
e umidades de neblinas 
embaçando as retinas 
que a boieira temperou; 
ouve o tempo que ficou 
falando na voz dos ventos 
pois traz pesando nos tentos 
alguns sonhos que extraviou. 

Um ponchito cor-de-terra, 
o chapéu sombreando o pasto 
cruzou, ao tranco, e se foi... 
a vida prenhe de estrada 
a alma tingida de nada, 
marcada a casco de boi; 

E se foi, resto de estrela, 
longe de sí, junto aos seus; 
anoitecendo na estrada 
pra amanhecer junto a Deus! 

Os dois baios cabos negros, 
laço, cambona, arreador; 
se foi a raça tropeira 
sumindo no corredor. 

E um baio fica pra trás 
pastando rente ao arame 
- que costeia as invernadas - 
a pastura enserenada 
que mantém restos de lua 
e a essência charrua 
que sorveu na madrugada. 
Depois, levanta a cabeça, 
relincha firmando a orelha 
e abre um trote apressado 
para chegar ao costado 
do seu irmão de parelha. 

Um ovelheiro picaço 
se empina errando bocadas 
nas corujas que atropelam 
com olhos de lua cheia. 

São quatro almas campeiras 
timbradas a berro de boi, 
assim o último tropeiro 
surgiu na estrada e se foi! 

Somente o rastro dos pingos, 
da alma, perro, arreador, 
se perdeu rumo e distância, 
na inconstância do corredor. 

E na prosa das esporas 
- um canto-terra profundo - 
o seu idioma ferido 
de cantar em despedida! 

Quatro almas, quatro tentos, 
quatro ventos, ilusão! 
refugos de um tempo novo 
berrando no coração! 

Num rincão de Olhos D'água 
passou, distinto e se foi... 
alma tingida de estrada, 
timbrada a casco de boi. 
e se foi, resto de estrela; 
perdido entre o ser e o ter... 
longe de sí, junto aos seus; 
alma tingida de estrada 
pra amanhã ser junto de Deus!

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